Várias iniciativas, como o Diário da Pandemia (https://diariodapandemia.blogspot.com/) , surgiram da ânsia que temos por compartilhar, interagir e perceber que a luta é geral. Luta pela vida, pela saúde, pelo sustento. Uma que também persiste é a luta por visibilidade, voz e reconhecimento. Luta para mostrar as mais diversas vidas, realidades e artes. Lá a gente já teria contato com a nossa convidada de hoje, no relato do dia 137. Confere aqui o depoimento da Ana!

Temos então, hoje, uma entrevista com a Ana dos Santos, mulher negra, poetisa e autora do Blog Flor do Lácio (http://anitamorango.blogspot.com/). A Ana faz parte do grupo público Leia Mulheres Porto Alegre - RS (https://www.facebook.com/groups/leiaMulheresPOA) e foi através de uma postagem dela lá que a gente ficou sabendo sobre o lançamento do livro “𝐍𝐚𝐫𝐫𝐚𝐭𝐢𝐯𝐚𝐬 𝐧𝐞𝐠𝐫𝐚𝐬 𝐞 𝐢𝐧𝐬𝐮𝐛𝐦𝐢𝐬𝐬𝐚𝐬 𝐞𝐦 𝐭𝐞𝐦𝐩𝐨𝐬 𝐝𝐞 𝐢𝐬𝐨𝐥𝐚𝐦𝐞𝐧𝐭𝐨 𝐬𝐨𝐜𝐢𝐚𝐥”, no qual ela participa com o poema “O Estrondo do Silêncio”.

O livro foi organizado por Cristian Sales, Dayse Sacramento, Deisiane Barbosa e Manoela Barbosa e é fruto de uma parceria entre a Plataforma Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras ( @dialogosinsubmissos / https://www.facebook.com/dialogosinsubmissos/) com a @andarilhaedições.  O livro pode ser acessado através do link: shorturl.at/gzCG9

Nessa conversa, a Ana nos fala um pouco dela, da poesia, literatura e os efeitos da pandemia. 

BSBU: Conta um pouco de ti, da tua história...

Meu nome é Ana Dos Santos, sou poetisa, escritora e contadora de histórias. Minha mãe é professora de filosofia e sempre me incentivou à leitura. Acredito que isso é nossa herança, pois meu filho Guilherme, com 9 aninhos também já rabisca seus poemas e mini contos!

BSBU: Apresenta pra gente a tua poesia, fala um pouquinho dos teus livros!

 Tenho 3 livros de poemas publicados:

“Flor” (2009, Corpos Editora/Portugal, selecionado no concurso Ministério da Poesia do site World Art Friends) ;

“Poerotisa” (2019, Editora Figura de Linguagem/Porto Alegre, finalista dos prêmios: Associação Gaúcha de Escritores AGE livro do ano – 2020 na categoria Poesia e  finalista do prêmio Milton José Pantaleão de Literatura Independente da Academia de Letras do Brasil seccional Rio Grande do Sul)

“Pequenos grandes lábios negros” (2020, Editora Venas Abiertas/Minas Gerais)

Agora estou com um poema publicado na coletânea "Narrativas Negras e Insubmissas em tempos de isolamento social" que fala sobre o silêncio do isolamento que nos leva a refletir sobre as desigualdades sociais e o descaso com a vida. Escrevo sempre do meu lugar de fala como uma mulher negra brasileira.

BSBU: Quais são as tuas referências para escrita? Inspirações?

Minhas influências são Fernando Pessoa, Machado de Assis, Clarice Lispector, Carolina de Jesus, Lima Barreto e Carlos Drummond de Andrade. Minhas inspirações vêm de vários estímulos, mas acredito que a música é a principal inspiração, tanto em letra quanto em ritmo e daí tanto o rap nacional como a Música Preta Brasileira. Mas minha condição de mulher negra é o mote da minha escrevivência.

BSBU: E nesse caminho de referências, indicações: agora temos mais visibilidade para as autoras e autores negros ( o "Pequeno Manual Antirracista", livro da Djamila Ribeiro foi um dos mais vendidos em 2020 e Jeferson Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, para citar apenas dois exemplos recentes)... Mas, para muitos de nós, a literatura negra ainda é um terreno inexplorado, principalmente, a nacional. Tu poderia indicar autoras e/ou autores pra gente?

Com certeza, a Literatura Negra ainda é um terreno "obscuro" no sentido literal da palavra. Se existe essa palavra "Negra", a sociedade brasileira tem que admitir que a maioria da população é negra e no entanto essa mesma maioria  que é excluída também desconhece os escritores e escritoras negros brasileiros. Minhas indicações são: Carolina de Jesus, Lima Barreto, Conceição Evaristo, Miriam Alves, Oliveira Silveira e uma escritora que é considerada a primeira escritora negra gaúcha:  Maria Helena Vargas da Silveira autora do livro "É fogo" de 1987 e republicado agora em 2020 pela editora Hucitec. Temos que reconhecer que nossos passos vêm de longe!

BSBU: Acho que não conseguimos fugir e falar sobre a pandemia, né? Inclusive, já que o "Narrativas negras e insubmissas" surge nesse contexto... Como está foi/está sendo esse tempo pra ti? Como mulher, estudante, escritora..

 Não tem como a gente não falar sobre a pandemia porque ela alterou e continua alterando o destino de todo o planeta. A coletânea surgiu com essa proposta, como as mulheres negras estão sobrevivendo à pandemia. Muito emblemático que a primeira vítima do vírus foi uma empregada doméstica negra. Isso diz muito sobre o Brasil...

Também sabemos que o trabalho doméstico triplicou para as mulheres, porque a estrutura patriarcal da sociedade brasileira diz que a gente nasceu para cuidar da família, dos filhos, dos pais, dos companheiros. É lógico que essa conta não fecha, porque tivemos que trabalhar  e estudar em casa também.

Eu entrei 2021 com o saldo negativo do isolamento: trabalhando o dia inteiro no computador, como professora e pesquisadora, estou com um um problema na coluna e o grau do meu óculos aumentou...enfim, o corpo fala, e o corpo da mulher negra tem um DNA de opressão secular.

Por isso, um dos temas da coletânea é o auto cuidado. Quem cuida de quem cuida de todos? Onde está o nosso respiro, o nosso prazer. Talvez seja a leitura, a música, a arte. Talvez a espiritualidade ou os exercícios físicos. O importante é que quem deveria cuidar dos direitos dos cidadãos está colocando nossas vidas em risco e as vidas negras são as que menos importam!

Como diz Emicida, "tudo que nóis tem é nóis"!!!